Suponha que um dia, por negociação dos
líderes partidários, fosse aprovada uma lei determinando que todos os títulos
de propriedade de terras, das menores fazendas às grandes
"plantations" do agronegócio, só seriam válidos depois de analisados,
um a um, pelo Congresso Nacional.
Veríamos os donos da terra brasileira
invocando o direito humano e divino de que seriam beneficiários desde os
primórdios da civilização. Muitos deles já o fazem, com grande alarde, sempre
que uma porção de terra é destinada a atender uma demanda social ou tem sua
exploração subordinada a um critério ambiental. Para eles, o direito à
propriedade privada é ancestral, sagrado, e se sobrepõe aos direitos e funções
sociais, considerados menores e periféricos.
O que estão fazendo com os direitos dos
índios, especialmente com seu acesso à terra, consagrado na Constituição como
direito originário, é a relativização política de um imperativo ético que
fundamenta a noção de pátria, submetendo aos interesses de alguns aquilo que é
um bem da nação e dos povos que constituem sua diversidade étnica.
A abertura da terra indígena à
exploração mineral, cuja promoção prática se tenta legitimar mudando a lei, é
típica da sangria de um continente definido por Galeano com as "veias
abertas". Os mitos do progresso na sociedade do consumo uniram-se a uma
espécie de nacionalismo torto, anti-indígena, para gerar um espantalho em que o
povo brasileiro não se reconhece.
A PEC 215 e o projeto de lei nº 227 agridem a Constituição. Extinguir os direitos indígenas, substituindo-os pela negociação política economicamente monitorada, é crime de lesa-humanidade. De todos os retrocessos socioambientais, o caso indígena é mais trágico, pois resulta em fatal ameaça à sua existência física e simbólica.
A PEC 215 e o projeto de lei nº 227 agridem a Constituição. Extinguir os direitos indígenas, substituindo-os pela negociação política economicamente monitorada, é crime de lesa-humanidade. De todos os retrocessos socioambientais, o caso indígena é mais trágico, pois resulta em fatal ameaça à sua existência física e simbólica.
Foi preciso que os índios dessem um
susto nos deputados, invadindo o plenário da Câmara em abril, para que esses
projetos fossem retardados e tivessem um prazo para análise e debate público.
Passado o susto, a esperteza volta a fazer manobras para aprovar o que lhe dita
o setor mais atrasado do agronegócio.
Assassinatos, agressões, suicídio,
fome... nada comove os que fabricam o espantalho. A Funai mostra imagens de
índios isolados e um representante do atraso diz que eles foram
"implantados" lá onde se refugiam. A ministra da Casa Civil anuncia a
suspensão de demarcações e diz que não há índios onde até as pedras sabem que
há. Depois se espantam com a crítica das ruas. E os que desistiram dos jovens
pateticamente apelam para que os jovens não desistam deles.
Quantas vezes os guaranis-kaiowás de
todas as aldeias e cidades precisarão dizer e assinar de próprio punho que o
Brasil verdadeiro ama os índios e se reconhece neles?
O artigo da Marina na FOLHA de São Paulo
16/08/2013
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