Quase sempre focados na política institucional e no
debate de interesses setoriais, esquecemos de ver as causas profundas dos
fenômenos sociais, da luta entre mudança e estagnação que às vezes toma a cena
e nos surpreende.
Um estudo da pesquisadora Joana Monteiro, do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, nos faz contemplar o abismo.
"Os Nem-Nem-Nem: Exploração Inicial Sobre um Fenômeno Pouco Estudado"
mostra que um milhão e meio de brasileiros entre 19 e 24 anos, nas faixas mais
pobres da população nem trabalham nem estudam nem procuram emprego. Um
contingente numeroso e crescente, capaz de impactar a economia e o ambiente
cultural nas próximas décadas.
Embora de modo quase invisível, esses jovens já
impactam o Brasil. Seu desalento alimenta tendências sociais desagregadoras.
Certamente, têm expressiva participação nas altas taxas de evasão escolar,
mortalidade juvenil por acidentes, suicídio e violência.
O que faz com que esses jovens tenham perdido o desejo
de investir em si mesmos? Sua pobreza de esperanças não nos deve restringir à
falta de oportunidade material como causa única, ainda que esta seja muito
relevante. Talvez nossa sociedade esteja sendo acometida de um adoecimento
ainda mais grave, que se caracteriza pela ausência da capacidade de acreditar
"em", da capacidade de desejar.
Claude Le Guen, em seu "Édipo Originário",
diz que é impossível amar a si mesmo sem antes ter amado ao outro. Talvez seja
também impossível investir em si mesmo sem antes ter investido no outro. Isso pode
ocorrer quando somos privados do investimento do outro, sejam eles cuidadores
próximos, pais, avós, professores e amigos, mas também cuidadores distantes,
associados às instituições civis ou religiosas. Sem a inscrição de seus ideais
identificatórios em nós não há como elaborarmos uma promessa de existência
significativa, digna de auto-investimento relevante.
Os antigos gregos falavam de uma paidéia, um grande
ideal identificatório que balizava sua educação e cidadania. Nossa sociedade
parece subtrair-se a esse investimento em ideal, utopia e valores. É como se a
economia fosse só consumo; a política, apenas disputa de poder; a cultura, só
espetáculo. Como se a democracia pudesse ser mera forma, vazia de conteúdo.
Se os ideais não ocorrem nem na família nem na escola
nem na sociedade não há como ter projeto de vida e resta o deserto. Nele brotam
os nem-nem-nem, que, pela privação sócio-afetiva são esvaziados do desejo,
imprescindível para se viver. Ser ou não ser, tanto faz, não há questão.
Sem teto, sem terra, sem emprego, sem educação, abram
alas para a tragédia maior dos sem-desejo.
O artigo de hoje da Marina na
FOLHA de São Paulo
30/08/2013
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