Na varanda do quintal, tenho a pequena oficina em que
faço minhas joias, com sementes que os amigos trazem da floresta. Em silencioso
trabalho, vou polindo também pensamentos, palavras, sentimentos e decisões. Nas
vésperas de grandes momentos da política de que participo, encontro nesse
trabalho inspiração e calma. Comparo-o à gravidez, quando precisamos de
tranquilidade em meio a grandes esforços.
Às vezes, não há tempo para o artesanato, apenas o
breve olhar saudoso para a oficina ao sair na pressa de viagens e reuniões.
Resta o consolo do caderno onde desenho, num avião ou numa sala de espera,
colares que um dia fabricarei.
Em dias mais agitados, nem mesmo o caderno. O tempo é
semente preciosa e rara.
Mas consegui --em madrugadas de oração-- ver que há,
instalado na alma, um dispositivo da fé que nos dá "calma no olho do
furacão" e a esperança de que tudo sairá conforme uma vontade superior à
nossa.
Essa conformidade exige condições. A primeira é a
consciência tranquila de ter feito tudo o que estava em nossa capacidade de
acreditar criando, não só cumprindo as regras, mas dedicando alma e coração.
Numa régua nos medimos. O chefe do governo sabe se faz
tudo pelo direito republicano dos cidadãos ou só propaganda para manter o
poder. O líder da oposição sabe se defende o bem do país ou torce por erros do
governo para tirar votos. O empresário sabe se produz responsabilidade
socioambiental ou só transforma prejuízo público em lucro privado. O magistrado
sabe se busca justiça ou formalidades que condenam inocentes e absolvem
culpados.
Por isso, a ética é base da sustentabilidade, espaço
público e íntimo em que cada um encontra sua verdade e a segue ou a trai,
ocultando-a sob uma consciência opaca.
Agora, revendo anotações para um artigo, acho desenhos
e poemas em velhas páginas. Ergo os olhos para a oficina vazia. Nada lamento.
Versos feitos noutro tempo de difícil transição política voltam hoje, quando
espero justiça de mãos dadas com milhares de idealistas que superam boicotes e
empecilhos para dar ao Brasil chance de uma nova escolha. Possa a poesia, que o
tempo há de polir, encher o espaço entre esperança e realidade:
Sei não ser a firme voz que clama no deserto/ Mas
estou perto para expandir seu eco/ Sei não ter coragem de morrer pelos amigos,/
Mas guardo-os em recôndito abrigo/ Sei não ter a doce força de amar inimigos,/
Mas não me vingo ou imponho castigo/ Sei não ser sempre aceito o fruto de minha
ação/ Mas o exponho ao crivo d'outra razão.
Voz, coragem, força, aceitação/ Tem fonte no mesmo
espírito/ Origem no mesmo verbo/ Lugar onde me inspiro/ E a semelhança
preservo/ Na comunhão com meu próximo/ No Logos que em mim carrego.
O artigo de hoje da Marina na FOLHA de São Paulo
27/09/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário